segunda-feira, 27 de novembro de 2017

«Peregrinações», de José Keating



A mera verbalização da palavra 'peregrinação' desperta espontaneamente em mim sentimentos tão amplos que vão desde a saudade (das que fiz) ao desejo/sonho (de voltar a fazer). Por isso mesmo, qualquer coisa que me possa ajudar a aprimorar quer os conhecimentos quer a minha espiritualidade peregrina entusiasmam-me e fazem-me voltar a sentir aquele arrepiozinho na pele que se tem quando se vive a ansiedade de um momento. Tendo a saudade de peregrinar tomado conta de mim, pensei poder «peregrinar» ao ritmo das letras, das frases, parágrafos e capítulos de José Keating, que exprime em primeira pessoa a sua experiência peregrina no livro «Peregrinações». Confesso que esperava mais da obra, mas peregrinar é também isto: arriscar, mesmo que o caminho frustre as expectativas. Mas mesmo que estas saiam defraudadas, há sempre um 'algo' que acrescenta qualquer coisa ao já adquirido. É nesse sentido que aqui partilho algumas das frases que me enriqueceram no que respeita à espiritualidade da peregrinação... seja a das rotas pré-definidas seja a da descoberta da (nossa) própria vida:

- «Ai de quem não peregrinar! É tão fácil pensar que se conhece a vida porque o mundo nos entra em casa pelo poder de um comando à distância. Mas ir ao encontro do mundo é outra coisa. É também arriscar-se ao desencontro que, despojando-nos das nossas seguranças, nos prepara para encontros mais profundos. Peregrinar é uma arte. Muitos andam por aí e até talvez façam peregrinações, mas nem todos gozam dessa arte de estar no mundo indo para além do mundo» (Prefácio, Vasco Pinto Magalhães).

- «O sossego vem ao andar, vem ao sair em direcção à luz, ao sol nascente. O turista, porém, não sossega, apenas evita ou trata o seu cansaço e sonha sempre com o regresso ao seu sofá para se enterrar lá. O peregrino também se senta no sofá, mas como pobre. Relê a vida e está reconhecido a alguém. Não anota as suas vitórias com um "V" de "visto", porque tem a certeza de que, mesmo repetido o itinerário, há toda uma novidade: pode ir mais além e mais fundo» (Prefácio, Vasco Pinto Magalhães).

- «Falando de peregrinações, alguém me garantiu que Soren Kierkegaard teria descrito três tipos de Peregrinação: a peregrinação ética, na qual o peregrino procura resistir a vários tipos de cansaço e cumprir todas as tarefas que inevitavelmente surgem pelo caminho; a peregrinação estética, na qual o peregrino procura disfrutar as eventuais belezas e pontos de interesse do trajecto; e, finalmente, a peregrinação religiosa, na qual o peregrino procura encontrar uma forma de conhecimento de si próprio e de construção pessoal». 

- «As cenas interiores têm também a ver com algumas outras caminhadas e outros encontros que, então, não pareceram, não foram sentidos como peregrinação, cujo aspecto peregrino apenas se tronou claro em retrospecto, ao tentar descrever esta "peregrinação oficial": Ah!, aquela outra caminhada era, pois, peregrinar..., aquele encontro, aquela conversa com aquela pessoa eram peregrinar... Tudo o que tem aspecto de mudança, de risco e de progresso, de esforço para atingir algo, de participação em empresa comum, pode bem ser peregrinar, principalmente se o alvo a atingir não for inteiramente definido em todos os seus pormenores e dimensões, implicando uma atitude de descoberta, de abertura à novidade de cada passo que se dá, de respeito pelo desconhecido, de interrogação, de inquietação [...] Imediatamente estes pontos de chegada se tornam pontos de interrogação, muitas vezes pontos de partida, não sabemos ao certo para onde... Desafio, vórtice aberto ao infinito, ao indeterminado, ao interrogativo. Nestes pontos de chegada e de partida, o sentir das gentes, da tribo humana, descreve muitas vezes a quebra de barreira entre este nosso mundo material e natural, habitual, e uma outra realidade, apelidada de sobrenatural».

- «Conhecer Deus!... Se estes possíveis santos têm razão, tal conhecimento não deve ser coisa tão difícil como parece, pois, de outro modo, não seria proposto à generalidade dos homens. Mas essa não-dificuldade é, na verdade, difícil de entender. A proximidade de Deus é uma coisa não muito difícil de explanar, mas terrivelmente, assustadoramente difícil de intuir, de viver, de comunicar, de deixar crescer dentro de nós em espírito e verdade. Por outro lado, a presença de Deus é, para muita gente, e talvez para todos, impossível de evitar e assume até uma dimensão de perseguição».

- «[...] apesar das dores lombares e dos espasmos musculares, do desgosto e da desilusão comigo mesmo por ter encontrado alguns dos meus limites físicos e de estes limites poderem bem ser alusão ou sinal e sintoma de outros limites, apesar dos relâmpagos dos flashs e do cansaço, através de tudo isso, ou quem sabe se por causa disso mesmo, e através da substância e da realidade material de todos esses fenómenos, fui inesperadamente assaltado pela muito viva sensação de que "ali me esperava Alguém, que eu bem sabia que me esperava", e que dava um certo sentido a tudo aquilo... ainda que esse sentido não fosse claro ou explícito, ou mesmo lógico e racional».
José Keating 


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