A história da salvação mostra-nos que Deus se serve de seres humanos para
concretizar os Seus desígnios de salvação. Mas mostra igualmente que as pessoas
escolhidas para tais missões não são aquelas que aparentemente, e do ponto de
vista meramente humano, possuem as qualificações indicadas. Nas leituras de
hoje esta realidade está bem evidenciada: Jonas, o ‘profeta’ escolhido para pregar
a necessidade de arrependimento e conversão à grande cidade de Nínive, é aquele
que foge de Deus e que revela a rebeldia quase natural e instintiva de quem
teima em resistir ao desassossego de um chamamento de Deus; os quatro primeiros
apóstolos de Jesus, pioneiros de um novo estilo de vida, são escolhidos entre
uma das classes menos apetrechadas cultural e intelectualmente: os pescadores.
Em ambos os casos, denotam-se várias diferenças (e não só temporal); porém,
algumas semelhanças acabam por nos ajudar a definir um pouco algum do perfil
necessário para se tornar discípulo.
O primeiro aspecto a salientar é que a iniciativa é sempre de Deus – na
vida da fé, o primado é do chamamento, e não do oferecimento. De múltiplas
formas, directa ou indirectamente, Deus chama segundo os Seus critérios e para
uma missão que cabe a cada um descobrir (não é espontânea nem imediata, como
não o foi para os apóstolos). Essa iniciativa divina sucede em ambientes e
rotinas normais e a pessoas muitas vezes impreparadas, o que nos mostra que não
só a vida dos destinatários da mensagem, mas também a dos chamados é fruto de
um ‘golpe de misericórdia’ de Deus.
Em segundo lugar, os textos mostram-nos como Deus é não só o autor mas
também o motor desta obra. No caso de Jonas, à pregação deste corresponde a
confirmação divina do conteúdo pregado face à adesão e mudança dos ninivitas;
nos apóstolos, a mudança de paradigma ‘profissional’ (mantendo, porém, o mesmo
registo linguístico) encontra fundamento numa promessa: «Farei de vós
pescadores de homens». Ou seja, não se sabe como decorrerão as coisas e nem se
vislumbra o resultado final, mas acredita-se na palavra d’Aquele que chama.
Em terceiro lugar, o núcleo fundamental da missão do discípulo é a salvação
da humanidade. Se em Jonas é evidente, no chamamento dos quatro apóstolos esta
realidade vem associada à expressão «pescadores de homens». Tal afirmação evoca
a dimensão escatológica da própria missão de Jesus: retirar do fundo das águas
(que para os seres humanos é o lugar da não vida, do afogamento, da morte) para
a barca (imagem que posteriormente será acolhida como imagem da Igreja,
«sacramento de salvação» e lugar do encontro e da comunhão com Deus).
Por
fim, a prontidão da resposta e o desapego aos bens. Se a resposta imediata dos
apóstolos já nos desafia a confiar plenamente na credibilidade da Pessoa de
Jesus e na missão que nos confia, a liberdade no «deixar» (as redes, os pais –
ou seja, ‘tudo’) por parte dos apóstolos e a relativização dos bens terrenos (como
garantia de felicidade) a que nos desafia Paulo são condições disposições
relevantes no perfil do discípulo. Saibamos nós também descobrir as redes que
ainda nos prendem ao mar e nos impedem de ir mais além no seguimento de Jesus.