S. João Batista, «o maior entre os filhos de mulher»,
de acordo com as palavras de Jesus, é uma figura incontornável do Cristianismo.
A sua importância faz com que, ao contrário do habitual no que concerne aos
mártires, se celebre como solenidade o dia do nascimento e não do martírio.
Porque já desde o início que João dá testemunho de Cristo, ainda muito antes do
seu martírio. Aliás, a veracidade do testemunho do Batista é-nos delineado no
livro dos Atos, da segunda leitura: «depois de mim, vai chegar Alguém, a quem
eu não sou digno de desatar as sandálias dos seus pés». A grande lição que
colhemos desta celebração é a humildade do Precursor do Senhor, aquele que
tendo tido a possibilidade de ser ‘glorificado’ como Messias, aceitou a verdade
da sua condição, não se colocando acima do Mestre.
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O Evangelho segundo S. Lucas traça um paralelo nada
ingénuo entre João Batista e Jesus: duas anunciações angélicas de cariz extraordinário,
dois nascimentos de forma inesperada (uma de forma extraordinária, porque de
uma estéril de idade avançada, outro de forma miraculosa, porque de uma
virgem), duas
atitudes diversas diante dos factos (Zacarias que duvida, Maria que confia),
dois cânticos que brotam dos lábios destes dois e que a Igreja acolhe e reza no
ofício divino, duas missões complementares (João como voz, Jesus como Palavra). O
ministério de Jesus não pode ser interpretado sem a necessária alusão a João Batista,
por quem Ele se deixou baptizar.
João Batista não é apenas uma figura de charneira
entre o Antigo e o Novo Testamento, que encarna uma certa radicalização da
apocalíptica judaica. João é «o maior entre os filhos de mulher» (Mt 11,11), daí
que a Igreja sentisse a necessidade de celebrar solenemente o seu nascimento.
Mas a sua grandeza deriva da sua profunda humildade, como nos recorda a segunda
leitura («depois
de mim, vai chegar Alguém, a quem eu não sou digno de desatar as sandálias dos
seus pés »).
«Quem virá a ser este menino?», perguntavam os
vizinhos de Isabel e Zacarias. Desde cedo se percebeu que aquele que nascia de
uma estéril de idade avançada entrava num desígnio especial de Deus. Lucas
testemunha as suspeitas: «a mãe do Senhor estava com ele». João assume-se como
um duplo sinal: sinal de que de facto o «Verbo incarnou» no seio de Maria, e
ainda no seio de sua mãe Isabel exulta de alegria perante a presença
embrionária do Messias (no fundo, João constitui a verdadeira ecografia de
Maria, sinal da veracidade do anúncio de Gabriel); e sinal porque testemunha da
presença («Eis o Cordeiro de Deus») e do modus vivendi de
Jesus («É necessário que Ele cresça e eu diminua»). João é uma provocação para
os dias de hoje porque sabe o que é ser verdadeiramente testemunha/mártir:
deixar que Outro seja nele, apagando-se para que outro possa brilhar. João Batista
tinha discípulos que o seguiam, alguns até pensavam que ele seria o Messias. O
Precursor poderia ser tentado a assumir-se como tal, ganhando protagonismo e o
reconhecimento das multidões. Mas não o faz. Porque João é voz; e a voz é
apenas um instrumento para que a Palavra ganhe corpo. O Batista é a voz que
clama, mas é Jesus a Palavra, não só dita como Incarnada.
Neste sentido, João Batista
completa e cumpre a profecia de Isaías escutada na primeira leitura: ele já no
seio de sua mãe testemunhava a presença do Messias esperado. São duas figuras
que se complementam: o que em Isaías é esperança, em João Batista torna-se
preparação, porque iminência. O que Isaías vislumbrava de forma remota e
longínqua, João Batista observa embrionariamente, reconhece como já presente, e
prepara a irrupção de Deus no mundo em Jesus, saindo de cena. Eis o grande
convite e testemunho de João Batista como figura do Precursor, não só em palavras
mas sobretudo em actos: a vida cristã deve ser o lugar em que somos desafiados
a saír de cena, a deixar o protagonismo Àquele que veio e vem para nós como
Salvador. No fundo, como batizados, a missão do cristão mais não é do que
preparar em nós e nos outros uma estrada para que Jesus possa entrar, vir ao
encontro dos homens. A essa virtude nós chamamos humildade, a grande lição que
colhemos da solenidade deste dia.