sábado, 9 de dezembro de 2017

João Baptista: figura da preparação


(S. João Baptista, da autoria de Caravaggio - Musei Capitolini, Roma)

O Evangelho segundo S. Lucas traça um paralelo nada ingénuo entre João Baptista e Jesus: duas anunciações angélicas de cariz extraordinário, dois nascimentos de forma inesperada (uma de forma extraordinária, porque de uma estéril de idade avançada, outro de forma miraculosa, porque de uma virgem), duas missões complementares (João como voz, Jesus como Palavra). O ministério de Jesus não pode ser interpretado sem a necessária alusão a João Baptista, por quem Ele se deixou baptizar.

João Baptista, em contexto de advento, não é apenas uma figura de charneira entre o Antigo e o Novo Testamento, que encarna uma certa radicalização da apocalíptica judaica. João é «o maior entre os filhos de mulher» (Mt 11,11), tão grande que a Igreja sentiu necessidade de celebrar solenemente o seu nascimento (24 de Junho). Mas a sua grandeza deriva da sua profunda humildade, como nos recorda o evangelho deste domingo («Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias» (Mc 1,7).

João assume-se como um duplo sinal: sinal de que de facto o «Verbo incarnou» no seio de Maria, e ainda no seio de sua mãe Isabel exulta de alegria perante a presença embrionária do Messias (no fundo, João constitui a verdadeira ecografia de Maria, sinal da veracidade do anúncio de Gabriel); e sinal porque testemunha da presença («Eis o Cordeiro de Deus») e do modus vivendi de Jesus («É necessário que Ele cresça e eu diminua»). João é figura da preparação porque sabe o que é ser testemunha/mártir: deixar que Outro seja nele, apagando-se para que outro possa brilhar. João Baptista tinha discípulos que o seguiam, alguns até pensavam que ele seria o Messias. O Precursor poderia ser tentado a assumir-se como tal, ganhando protagonismo e o reconhecimento das multidões. Mas não o faz. Porque João é voz; e a voz é apenas um instrumento para que a Palavra ganhe corpo. O Baptista é a voz que clama, mas é Jesus a Palavra, não só dita como Incarnada. 

Neste sentido, João Baptista completa a profecia de Isaías. São duas figuras que se complementam: o que em Isaías é esperança, em João Baptista torna-se preparação, porque iminência. O que Isaías vislumbrava de forma remota e longínqua, João Baptista observa embrionariamente, reconhece como já presente, e prepara a irrupção de Deus no mundo em Jesus, saindo de cena. Eis o grande convite e testemunho de João Baptista como figura da preparação, não só em palavras mas sobretudo em actos: o advento é o tempo em que somos desafiados a saír de cena, a deixar o protagonismo Àquele que quer nascer para nós e em nós. Só assim o advento se torna fecundo e verdadeira preparação da contínua vinda de Jesus à nossa vida.

Sem comentários:

Enviar um comentário