segunda-feira, 18 de abril de 2022

A Páscoa de Jesus e as «nossas Páscoas»


A conclusão da vida terrena de Jesus suscitou uma série de sentimentos nos discípulos de Jesus: se por um lado se deixaram mergulhar pelo desânimo, pela tristeza e pela desilusão de um caminho não concluído da forma inicialmente idealizada, por outro lado não poderiam ignorar as sementes de ressurreição lançadas ao longo da vida pública de Jesus, nomeadamente no contexto da subida para Jerusalém. Pairava no ar a expetativa de um "volte-face" que pudesse cumprir as Escrituras que na altura ainda não tinham compreendido plenamente.

É nestas circunstâncias existenciais que os discípulos tentam interpretar a morte de Jesus e confirmar a veracidade das Suas "profecias". Mas nesta indagação interior, os discípulos de Jesus descobrem que a ressurreição anunciada pelo Mestre não se referia apenas à Sua exaltação pascal (a Páscoa de Jesus), mas também à própria «elevação» espiritual requerida a quem segue Jesus (a Páscoa dos discípulos... a nossa Páscoa): «se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto» (Cl 3,1). Jesus não é o único a ter que «sair vitorioso do túmulo», como se canta no Precónio Pascal. Também nós temos que derrubar os nossos próprias obstáculos e sair dos nossos próprios túmulos. O evangelho deste domingo de Páscoa, do evangelista João, apresenta três das personagens mais emblemáticas neste contexto pascal e qui aqui personificam, a seu modo, três patologias de corações carecidos de uma intervenção cirúrgica por parte do Médico Celeste. E é precisamente na ida ao hospital do Gólgota que se veem curados e (re)iniciam a aventura de um caminho que julgavam concluído.

Em primeiro lugar, somos confrontados com a escuridão de Maria Madalena. Aquela que viria a ser a "primeira apóstola" da ressurreição (a apóstola dos apóstolos) vai ao sepulcro «de manhãzinha, ainda escuro». Não era só o dia que estava escuro, também o seu coração permanecia escuro e ferido, talvez por não ter ainda aceitado completamente a sua história e não se conformar com um passado do qual não se orgulha, mas que havia sido exorcizado na misericórdia de Jesus. Madalena permanece à distância: vê a pedra retirada do sepulcro mas não tem coragem de se aproximar e, mais ainda, de nele entrar. Naquele momento, ainda não tinha percebido que para se ressuscitar é preciso entrar nos nossos túmulos, nos aspetos de morte que ainda nos invadem e dos quais não nos conseguimos libertar. Ressuscitar com Cristo é permitir que Ele nos liberte, pelo dom da misericórdia e do perdão, das feridas e demónios que ainda nos atormentam. E se isso não for suficiente, há sempre um Pedro e um João que nos podem ajudar a realizar esse percurso purgante da nossa própria existência.   

Em segundo lugar, emerge a figura do discípulo predileto de Jesus, João. A sua jovialidade e voluntarismo levam-no a correr imediatamente ao sepulcro, mas o medo do vazio obrigam-nos a abrandar o andamento. O discípulo amado representa todos aqueles que têm medo do vazio e se amedrontam diante do desconhecido. É o efeito de quem tem um coração sobrelotado e não sabe reorganizar os seus espaços e compartimentos. O horror ao vazio, traduzido numa fuga ao silêncio e à quietude, conduz invariavelmente ao excessivo preenchimento da vida e do coração com coisas aparentemente boas, mas não essenciais. Essas "coisas" permanecem como pedras de tropeço e barreiras sólidas que obstaculizam o esvaziamento de si, condição sine qua non para o preenchimento vital do coração com o sopro divino. Priorizar o vazio onde a Palavra de Deus se faz ouvir e a experiência do Ressuscitado se faz sentir deve constituir um desafio pascal e existencial perene para nos afeiçoarmos às coisas do Alto e não às da terra.

Em terceiro lugar, salienta-se a lentidão de Pedro, que não se explica meramente por uma questão de idade face a João. O princípe dos apóstolos sinaliza aqui o coração acomodado, ou seja, representa aqueles que se resignam a um cultivo do bem-estar e do comodismo, e que por isso rejeitam avançar mais solida e velozmente no caminho por Deus proposto. Há momentos da vida em que é preciso acelerar e andar ao ritmo da vontade divina, sair da inércia em que nos instalamos, e rejeitar o auto-anestesiamento que impede de chegar mais velozmente à santidade desejada. Temos que aprender a andar ao ritmo de Deus e não ao nosso próprio ritmo, e assim vencer as resistências pessoais que ainda condicionam a entrada plena na vida pascal que Cristo oferece. Pedro venceu a auto-justificação cómodo da sua indignidade e pecado (as suas negações) e enfrentou com coragem o sepulcro. Só entrando e vendo é que se pode acreditar. É também este processo dinâmico que hoje, com Madalena, João e Pedro, somos chamados a fazer: a entrar, a ver e a acreditar, fazendo da Páscoa de Jesus a nossa própria Páscoa.

2 comentários:

  1. Que belo e certeiro. Tenho a certeza de que, tal como eu, muitas e muitos sentirão como "encomendadas" para si estas belíssimas reflexões. Deus lhe dê, sempre,sabedoria e humildade. Obrigado.

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  2. Magnifica homilia, quer na forma quer no conteúdo! Ao ouvi-la apenas, já nos obriga a sair da nossa inércia instalada. Mas, a sua leitura faz-nos pesar cada palavra e a interiorizar a riqueza da mensagem. Obrigado.

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