A vocação é algo misterioso. Apresenta-se sempre como uma realidade
inesperada, inaudita, não controlável, como um golpe de amor do próprio Deus,
que sublima a natural debilidade humana para a transformar em vontade de
servir. Foi assim com Isaías, que sentia a sua indignidade de «homem de lábios
impuros», e com Paulo, que se considera indigno de ser chamado apóstolo «por
ter perseguido a Igreja de Deus».
Mas se é verdade que na eleição Deus não se deixa condicionar pelas
fraquezas humanas, a resposta do chamado deve corresponder à humildade exigida:
ser profeta ou ser discípulo só é possível com a graça de Deus. No evangelho
que hoje escutamos Lucas traça, em forma de preâmbulo, aquele que se pode
definir o perfil do discípulo de hoje, tanto ontem como hoje. Eis alguns dos
elementos que podem servir para aferir até que ponto também nós somos
verdadeiros discípulos, do qual Pedro é o protótipo:
- O discípulo é aquele que, mesmo de forma inesperada, oferece o seu espaço para Jesus falar. Não se distancia, não se alheia, mas oferece os seus préstimos, por pequenos que sejam. Sem se dar conta, Jesus pode servir-se de nós para fazer grandes coisas, como o fez com a barca de Pedro para poder falar à multidão;
- O discípulo é aquele que sabe que apesar de saber muito, é um aprendiz junto de Jesus. Pedro sabia da arte da pesca, mas nem por isso deixa de dar crédito ao desafio de Jesus de lançar as redes para a pesca, apesar da infrutífera tentativa da noite anterior. É na palavra de Jesus que se arrisca e se cumpre a obediência na fé, e assim fazendo descobrimos que a Palavra de Jesus não falha, é credível e traz abundância e frutos inesperados às nossas vidas;
- Ser discípulo é aprender a trabalhar em equipa, sabendo que sozinho as coisas se tornam mais complicadas, como Pedro demonstra ao pedir ajuda aos seus colegas. Não é por acaso que Jesus constitui um grupo para O acompanhar e nunca convida ou envia discípulos sozinhos, mas sempre em grupo. Quem quiser seguir Jesus tem forçosamente de enquadrar a sua vocação e missão no todo eclesial e acolher os dons que outros podem constituir para nós;
- Ser discípulo exige humildade e o reconhecimento das debilidades próprias do ser humano, e que por isso sabe pedir perdão e prostrar-se diante do Senhor. No entanto, nunca se deve esquecer que o Homem será grande quando se souber ajoelhar diante do Criador;
- Ser discípulo é o prefácio de uma vida apostólica. A vocação de discípulo não existe em função de nós próprios, pelo que a partilha do que se ouviu, como diz S. Paulo na epístola, transforma o discípulo em pescador de homens, isto é, alguém capaz de arriscar lançar as redes para resgatar os homens das trevas e trazê-los para a luz que Cristo oferece;
- Ser discípulo implica renúncia e pôr o coração no essencial. Para Lucas, o discípulo deve «deixar tudo», como fizeram estes primeiros, ou seja, desamarrar-se de tudo aquilo que impede uma liberdade mais autêntica face aos bens e ao que pode impedir um caminho mais autêntico de fé;
- Por fim, ser discípulo é seguir Jesus para onde quer que Ele vá, aceitando as consequências que isso traz. No fundo, é estar disponível para ser mártir, sobretudo nos contextos em que possa existir uma certa oposição à Igreja.