quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O Natal, a Sagrada Família ou ... o «milagre da normalidade»

É muito comum olharmos para Jesus (e, por extensão, para a Sagrada Família) a partir daquilo que se distingue de nós. Esta perspectiva (não digo que esteja incorrecta, pois há realidades em Jesus e em Maria que nunca serão experimentadas por nós) acaba, no entanto, por exponenciar a distância que nos separa deste mistério divino.

A celebração do Natal, na forma que hoje o Ocidente o faz, foi uma conquista tardia da sabedoria eclesial. Inicialmente celebrava-se (ou melhor, privilegiava-se) a Epifania, tradição que ainda hoje se mantém na Tradição oriental, congregando numa única celebração três mistérios: a adoração dos Magos, o Batismo de Jesus e o «sinal» das Bodas de Caná. Como facilmente detectamos, este celebração vincava sobretudo a origem divina de Jesus, aquilo que O distinguia dos demais. Com o Concílio de Caldenónia e os dogmas cristológicos daí advindos (Jesus como «verdadeiro Deus e verdadeiro Homem»), emerge a necessidade de enfatizar a humanidade de Jesus (não só o «Filho de Deus», mas também o «Filho do Homem»).

Nesse sentido, emancipa-se a celebração do Natal não já numa leitura interpretativa mas enquanto acontecimento central na história da salvação: a encarnação de Deus na história, que as calendas do Martirológio Romano, cantadas na missa do Galo, bem evidenciam. 

O Natal de 2015 trouxe-me esta grande notícia: o «Emanuel» (Deus connosco) que Se revela em Jesus quer manifestar-se (ser epifania) na nossa humanidade. O Natal de 2015 trouxe-me o convite a olhar para Jesus naquilo que é humano, que é próprio da nossa natureza contingente. A Sagrada Família de Nazaré, festa celebrada no Domingo da Oitava, apelou a captar no essencial da sua vida a natureza mais íntima e profunda da família enquanto habitat de Deus. Vi, então, neste Natal de 2015 um forte convite a recuperar o que é normal (ou deveria ser normal), buscando no «milagre da normalidade» a verdadeira essência do ser cristão (não diz, afinal, a Escritura que «quem é fiel no pouco é fiel no muito»?!).

Percebi, mais uma vez mas de uma forma renovada, que a grande degeneração da nossa sociedade foi anormalizar o normal... Basta olhar: aquilo que deveria ser normal para uma família cristã (ir à missa, rezar em família, os filhos pedirem a bênção aos pais, a fidelidade conjugal, etc) deixou de o ser em tantos lares, e a normalidade começou a ser olhada com desconfiança e até com particular sarcasmo.

Por isso, hoje apelo a todas as famílias cristãs e a todos os cristãos que contemplando o presépio nos maravilhemos com o milagre da normalidade. Não só contemplemos, mas recuperemos a simplicidade de vida da família de Nazaré que nos dá uma lição de oração, silêncio e vida familiar. Que mesmo sem o luxo ou o fausto da abundância material, acolhamos «Aquele que, sendo rico, fez-Se pobre, para nos enriquecer na Sua pobreza», e que Maria, ao segurá-l'O nos braços e o envolver em panos no-l'O dá como o tesouro mais precioso das nossas vidas, nos dê a graça de, à sua semelhança, conservarmos todos estes acontecimentos e palavras no nosso coração.

O Natal és tu... (tradução de um livro italiano e que partilhei nas missas de Natal)

Tu és... o Natal, quando decides nascer de novo cada dia, e deixas entrar Deus na tua alma.
Tu és... a árvore de Natal, quando sabes resistir aos ventos e às dificuldades da vida.
Tu és... o sino de Natal quando chamas, congregas e procuras a união.
Tu és... os adornos de Natal, quando as tuas virtudes são as cores que adornam a tua vida.
Tu és... as luzes de Natal quando iluminas com a tua vida o caminho dos outros com a bondade, a paciência, a alegria e a generosidade.
Tu és... os anjos de Natal quando cantas ao mundo uma mensagem de paz, justiça e amor.
Tu és... a estrela de Natal quando conduzes alguém ao encontro com o Senhor.
Tu és... a música de Natal quando conquistas a harmonia dentro de ti.
Tu és... o presente de Natal quando és um verdadeiro amigo e irmão de todos os seres humanos.
Tu és... os votos de bom Natal quando perdoas e restabeleces a paz também quando sofres.
Tu és... a ceia de Natal, quando sacias de pão e de esperança o pobre que necessita.
Tu és... a noite de Natal quando humilde e consciente recebes no silêncio da noite o Salvador do mundo sem o rumor dos grandes festejos! Tu és sorriso de confiança e ternura na paz interior de um Natal perene que estabelece o Reino dentro de ti.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Nossa Senhora da Luz

Hoje é o teu dia, Senhora da Luz. Desde que me lembro que este dia se tornou tão especial para a terra que te venera como sua padroeira... Ninguém ousa sequer abdicar deste dia... ninguém prescinde do teu regaço, do teu olhar, do teu cuidado... ninguém se imagina a viver um Natal sem depois ir agradecer à Mãe o Filho que nos deste! Ninguém deseja um Natal sem as ruas iluminadas e os foguetes a anunciar este dia... porque tu ousaste dizer «Sim» ao projecto divino!

Há 31 anos que cuidas de mim, me amparas, me iluminas, me confortas, me consolas... e em ti sempre encontrei o regaço da misericórdia e o coração maternal de quem protege os seus. Um dia escrevi-te um hino, uma ode que traduz o sentimento de um povo humilde mas que ano após ano te venera com devoção e alegria. Aqui fica, mais uma vez, as palavras simples mas sentidas de quem te ama:

Uma só és tu, Maria
Para nós és a Senhora da Luz.
Que numa estrebaria
Nos destes o Menino Jesus.

Mãe de Deus e nossa Mãe,
A ti voltamos o nosso olhar.
P'ra contigo podermos também
O rosto de teu Filho contemplar.

Tu nos dás a confiança
No meio da adversidade.
Pois és guia e esperança
No caminho da eternidade.

Nossa Senhora da Luz,
Fonte de vida, Mãe de Jesus.
Te louvamos a vida inteira
Como nossa padroeira.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Já não há lugar para o Menino de Belém?

Mais uma vez celebramos o Natal... este grande «mistério» (sacramento) da nossa fé e profundamente enraízado na nossa cultura. As celebrações e os símbolos (enquanto elementos unificadores a uma realidade, e não apenas imagem...) tornam possível a nossa identificação a uma realidade, mostrando, tantas vezes, o orgulho que invade o nosso coração naquilo que nos define enquanto pessoas. 

Quem não se recorda da onda patriótica que invadiu os portugueses em 2004, aquando do Europeu cá realizado, levando grande parte dos portugueses a possuir uma bandeira nacional no exterior da sua casa?! E mais tarde, a onda vermelha que invadiu o país (pelo menos nesta zona que melhor conheço) nos inícios do mês de Dezembro com a imagem de uma pobre e frágil figura que imediatamente associamos a Jesus?! No fundo, vincava este desejo (espero) de acolher este Menino que vem (continuamente) para nós, de O tornar a Luz das nossas casas e de transmitir a todos aqueles que cruzam o seu olhar com o estandarte os votos de um Santo Natal, reagindo ao «consumismo» desenfreado que a figura do Pai Natal subindo as casas, qual Homem Aranha, se tornou.

Infelizmente, este ano, passando por vários sítios, deparei-me com um decréscimo no uso dos estandartes... fiquei triste! Será puro descuido, negligência ou distracção? Espero que sim... Gostaria, pois, de convidar os cristãos a retirar o estandarte do Menino Jesus do baú ou da caixa algures perdida no sótão. Apesar de não ser o essencial do Natal, não deixa de ser um testemunho vivo de que o Natal Cristão continua a fazer sentido no seio de uma sociedade angustiada, desnorteada e, tantas vezes, vazia de sentido. Que saibamos nós testemunhar essa alegria, lembrando as palavras do Papa Francisco: «Não deixemos que nos roubem a esperança». Pois, como ouvimos na Missa da Noite de Natal na voz do profeta Isaías: «O povo que andava nas trevas viu uma grande luz. (...) Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento». Santo Natal.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

E quando nos faltam as forças, nada melhor do que andar... NAS ASAS DE DEUS



Quando, abrindo os olhos, sem saber o que fazer,
Fico inerte, numa confusão difícil de suster,
Surge um silêncio oculto que fala ao coração,
E apazigua a nebulosidade da minha visão.

Vou guiado por essa Voz silenciosa em busca da Luz,
Sem lanterna, nem sol, nem vela para me alumiar!
Ao longe, abre-se um novo horizonte, que me conduz,
Na senda do caminho que das trevas me há-de tirar.

            E deixo-me guiar por esse rasgo de amor,
            Agarrando-me ao Sopro que à vida dá cor.
            Como brisa suave, vou nas asas de Deus,
            Confiante que é por Ele que se chega ao Reino dos Céus.

Subitamente passo a voar para lá da escuridão,
E as criaturas proclamam a nova criação.
Os Céus abrem-se e os Anjos cantam com ardor
A vida nova inaugurada pela Cruz do Senhor.

Agora já sei onde pôr a minha confiança,
E corro velozmente a proclamar a Boa Nova.
Com uma alegria transbordante, qual criança,
E uma fé capaz de superar a mais dura prova.

            E deixo-me guiar por esse rasgo de amor,
            Agarrando-me ao Sopro que à vida dá cor.
            Como brisa suave, vou nas asas de Deus,
            Confiante que é por Ele que se chega ao Reino dos Céus.

Pe. David Palatino

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O Presépio: antídoto anti-crise

«Os pastores disseram uns aos outros: «Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer.» Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o menino deitado na manjedoura. Depois de terem visto, começaram a divulgar o que lhes tinham dito a respeito daquele menino. Todos os que ouviram se admiravam do que lhes diziam os pastores(Lc 2, 15-18)


O Natal aproxima-se …As luzes, a alegria, as lojas, a azáfama … vemos como este tempo é diferente! Ninguém fala de crise, todos se esquecem dos problemas, a solidariedade tem lugar mais do que nunca! Tudo isto porque … Cristo nasceu!
Quem dera que assim fosse… Infelizmente os olhos das pessoas não passam pelo presépio, deixando-o esquecido e escondido atrás das inúmeras prendas, obscurecido pelo Pai Natal e suas renas, ignorado como símbolo maior do Natal! Pessoas que vivem o Natal sem sequer ir ver o Menino ao presépio, que juntam a família em nome da família e não em nome de Jesus, que celebram um qualquer acontecimento que desconhecem e que nem ousam perguntar! Mas Ele teima em querer nascer, cada ano insiste e quer ser o Deus connosco, Aquele que vem trazer a chave da nossa vida!

Neste tempo difícil, a contemplação do presépio é um verdadeiro antídoto anti-crise. Ao “faça-se o que eu quero”, Maria diz: “Faça-se segundo a Tua vontade”. Perante a solução fácil e imediata da separação e do conflito matrimonial, José dá o mote: perseverança e confiança. Diante de uma gravidez indesejada (ou melhor, inesperada), a vida reina no seio de Maria com alegria transbordante, capaz de fazer exultar João Baptista no seio de Isabel. Se o mundo se queixa e constantemente se lastima, Zacarias aponta o caminho: «Bendito o Senhor Deus de Israel que visitou o Seu Povo». Quando alguns não podem andar 2 km para ir à Missa, os Magos percorrem milhares de quilómetros para adorar o Menino. Quando a virgindade é vista com desprezo e desconfiança, o Senhor quis nascer de uma Virgem. Até parece que naquele tempo já havia listas de espera: não encontraram lugar para o Menino nas hospedarias. José adoptou um filho sem ter que ser submetido a um quinhão de burocracia. Ontem como hoje, o poder político queria matar o Messias esperado: ontem Herodes, hoje tantos outros que vão legalizando o aborto. 

Mas tudo passa e Ele permanece. Nós, cristãos, não podemos pactuar com o Natal pagão. Temos que ser rápidos como os pastores, correr ao presépio, adorá-l’O e anunciá-l’O. Ele é a Luz verdadeira que quer iluminar o mundo pelo nosso testemunho. Ele quer nascer em nós, no nosso coração, para que outros possam colher da Vida que só Ele pode dar. N’Ele percebemos que a crise não afecta o cristão, pois Cristo é o nosso tudo, Aquele em quem confiamos e de Quem dependemos, Aquele que traz a felicidade, Aquele que tem a chave do Céu que desejamos alcançar.

Neste Natal o Senhor quer encontrar em cada um de nós um coração novo para nascer, quer encontrar um coração despojado e pronto para O acolher! Um coração a transbordar de alegria porque n’Ele temos tudo o que precisamos, um coração agradecido porque o Amor de Deus supera todas as dificuldades. Um coração disponível para responder ao que o Senhor quer, um coração desprendido das coisas que nos afastam do caminho do Senhor!

Façamos deste Natal a festa do Menino que «faz 2015 anos» e continua vivo no meio de nós. Deixemos que a Sua luz brilhe nas nossas vidas. Esta é a hora, porque o Natal é quando Deus quer, e Deus quer que aconteça Natal na nossa vida HOJE! Que neste Natal também nós nasçamos com Jesus para uma nova vida.