domingo, 28 de janeiro de 2018

O meu comentário à Liturgia da Palavra deste IV Domingo do Tempo Comum (in «Liturgia Diária», Paulus Editora)


Uma das premissas mais constantes nos Evangelhos, de forma particular em Marcos, é a identidade de Jesus. Não raras vezes, após algumas das suas acções junto do povo (milagres, exorcismos ou simples doutrinação), surge a questão: «Quem é este Homem?» ou, como sucede neste excerto, «Que vem a ser isto?». De facto, por detrás de uma adesão à fé está uma pergunta, que se transforma em pro-vocação que suscita uma procura. Foram estas perguntas que foram consolidando os dados de fé da Igreja primitiva em relação a Jesus Cristo e ajudando a reconhecer a Sua acção operante na vida da comunidade enquanto Ressuscitado.
Estamos ainda no início do ministério público de Jesus, mas após a revelação da identidade jesuana no primeiro versículo do Evangelho por parte do seu autor, surge agora mais uma profissão de fé. No entanto, esta é feita no meio de uma certa ambiguidade, já que é efectuada por parte de um «homem com um espírito impuro». Ou seja: o reconhecimento de quem é Jesus parte de alguém que não se move nos círculos próximos de Cristo, mas de alguém que se apresenta como Seu opositor, provavelmente à margem da comunidade. Mas isso não nos deve espantar: nem sempre são os que ‘estão dentro’ que captam mais facilmente a essência do mistério de Deus. Todavia, esta figura ‘endemoninhada’, sem nome e sem rosto, representa muito bem a bipolaridade constante a que a natureza humana está submetida: um combate entre, como diz S. Paulo, o «bem que quero e o mal que não quero». O ser humano sente-se muitas vezes dividido interiormente, seduzido por inúmeras atracções que podem desviar a atenção do essencial e alienar a vontade em superficialidades vazias e inócuas. Por isso, é natural que diante de uma doutrina tão vibrante e vivificante como a de Jesus alguns se sintam perturbados e incomodados, e muitas vezes dilacerados internamente por não ter a coragem de aderir firmemente a essa «doutrina» (ou melhor, a essa Pessoa, que é Jesus). A pergunta daquele homem com espírito impuro é a questão que tantos hoje colocam quando são confrontados com a ética das suas decisões, acções ou critérios: «Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno?». Cristo corre o risco de ser encarado como Alguém que importuna a liberdade, que condiciona as decisões, que radicaliza um estilo de vida, que exige coisas impossíveis, que frustra planos pessoais ou que impõe sacrifícios desumanos. Porém, a convicção a que somos chamados a ter é outra: é a certeza da origem divina da Sua autoridade. Tal como o livro do Deuteronómio já pré-anunciava profeticamente, a adesão a Jesus efectiva-se pela credibilidade do Seu testemunho, pela perfeita sintonia entre o que diz e faz, e pela eficácia da Sua acção, ontem como hoje. Ele é, por isso, não só Aquele que devemos escutar mas também o único capaz de exorcizar e calar as vozes que, dentro de cada um, parecem afastar dos caminhos de Deus.

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