sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Homilia na Celebração do Natal do Senhor




HOMILIA – NATAL DO SENHOR 2025

 



Hoje, o Natal é uma festa de alegria e esperança, e o presépio um lugar simbólico de beleza, fascínio, ternura e aconchego. Mas o evento que lhe deu origem não foi assim tão pacífico: para a Sagrada Família foi um acontecimento com tonalidades dramáticas, verdadeiramente paradoxal. E os evangelistas, cada um a seu modo, não deixa de frisar essa ambivalência do presépio e do mistério da Incarnação: Mateus fala da matança dos inocentes perante a fúria de Herodes; Lucas narra o nascimento do Menino-Deus numa manjedoura (de onde vem o nome presépio), porque não havia lugar para eles na hospedaria; João, no seu prólogo cristológico, antecipa o drama da rejeição: «Veio para o que era seu e os seus não O receberam».

O Natal é, por isso, o lugar do «paradoxo», o sinal da «contradição», a manjedoura do «absurdo»: do paradoxo de um Deus que se «rebaixa» na Sua omnipotência para vir às periferias da humanidade; da contradição de uma sociedade que continua a celebrar o Natal (em família) mas que se recusa a abrir a porta para receber ou para ir visitar Jesus; do absurdo que é a ignorância (ou indiferença) dos «próximos» perante este acontecimento e a prontidão dos «distantes» (pastores, magos) para procurar Aquele que traz a chave da existência.

Esta é a dura realidade que ainda hoje vivemos: a possibilidade de rejeitar Jesus. Até podemos celebrar o Natal, mas não viver o Natal. Até podemos ter um presépio em casa, colocar Jesus na manjedoura, sem O receber verdadeiramente no nosso coração. Em 2019, o Papa Francisco escreveu um belíssimo documento sobre o significado e valor do presépio, de onde retiro as seguintes palavras:

«Armar o Presépio em nossas casas ajuda-nos a reviver a história sucedida em Belém. Naturalmente os Evangelhos continuam a ser a fonte, que nos permite conhecer e meditar aquele Acontecimento; mas, a sua representação no Presépio ajuda a imaginar as várias cenas, estimula os afetos, convida a sentir-nos envolvidos na história da salvação, contemporâneos daquele evento que se torna vivo e atual nos mais variados contextos históricos e culturais» (Sinal admirável, 3).

No presépio cabem todos, e não só as personagens presentes nas narrativas evangélicas. Cabem a lavadeira, o lago e o cisne. O pastor e as ovelhas. Os velhos e as crianças. Os atentos e dos distraídos. Os santos e os pecadores. «Esta imaginação pretende expressar que, neste mundo inaugurado por Jesus, há espaço para tudo o que é humano e para toda a criatura» (Sinal admirável, 6). O presépio é um hino à criação, é um grito cósmico de amor. É uma epifania do Deus humanado. Por isso, «no presépio, os pobres e os simples lembram-nos que Deus se faz homem para aqueles que mais sentem a necessidade do seu amor e pedem a sua proximidade» (Sinal admirável, 6).

José e Maria bateram a muitas portas, mas todas lhes foram fechadas. Tal como Herodes, muitos temem o espaço que Jesus possa vir a ocupar, vendo-o como rival e não como aliado. Hoje Jesus continua a bater a muitas portas, sem sucesso. O drama do presépio continua a ser uma verdade existencial.

Jesus continua a ser o sem-abrigo a ser votado à indiferença de tantos que olham para o lado, que privilegiam o seu bem-estar e comodismo, desviando o olhar às situações de injustiça social, negando a ajuda a uma mão estendida.

Jesus é israelita e palestiniano, simultaneamente de Nazaré e de Belém (detinha “dupla nacionalidade”), e por isso também está presente em todas as vítimas e danos colaterais da guerra do Médio-Oriente, escondido ou esmagado nos escombros e ruínas dos edifícios destruídos.

Jesus continua a ser o refugiado à procura de um lugar pacífico que lhe dê a dignidade de pessoa, sem ter de fugir da tirania dos governantes, como sucedeu com a Sagrada Família no seu exílio para o Egito. Ele, o Verbo de Deus que acampou entre nós, continua a habitar nas tendas daqueles que não têm outro refúgio e asilo.

Jesus continua a ser o imigrante sem condições de habitação, a passar de país em país em busca de melhores condições e estabilidade, por motivos políticos e religiosos, mas que embate constantemente em preconceitos racistas e xenófobos.

Jesus continua a ser perseguido na pessoa dos mártires que, injustamente, são vítimas de ódio religioso simplesmente por serem cristãos.

Jesus continua a ser a criança vítima de aborto, ele que também nasceu em condições inesperadas mediante uma gravidez não premeditada, mas acolhida e amada.

Jesus continua a ser a voz incómoda que, mesmo sem falar, abala os sistemas corruptos, condena as injustiças sociais, anuncia a paz no meio da guerra, derruba muros e constrói pontes, leva esperança onde há desespero.

Mas também, o presépio continua a ser a casa de portas abertas onde todos, sem restrição de cor, raça, etnia ou estatuto social, podem entrar, desde os pastores aos Magos desta vida.

O presépio continua a ser um laboratório de ternura e afeto, onde quem o visita não sai sem trazer o perfume do amor divino e o bálsamo da misericórdia.

O presépio continua a ser o lugar onde o drama se transforma em esperança, onde o choro se converte em alegria, onde a escuridão se abre à luz.

O presépio continua a ser uma escola de vida familiar e cristã, na forma e no estilo: na simplicidade do nascer, na humildade na escuta do outro, na sobriedade das palavras, na profundidade dos olhares, na captação do essencial.

O presépio pode ter muitas formas e feitios, ser mais artístico ou mais simples, ser mais moderno ou mais clássico. Isso pouco importa. O que interessa é que fale à nossa vida. E que na perplexidade e fascínio que sempre gera, também a nossa vida seja inserida na vida de Deus.

Hoje a decisão é nossa: Maria e José continuam a bater à porta de cada um a pedir para ficar. Não precisamos de ir, como os pastores, apressadamente a Belém, a Casa do Pão. Ele próprio vem ao nosso encontro. Hoje, não somos nós que peregrinamos, mas é Jesus que se torna peregrino: vem do Céu à terra. Hoje, somos nós a porta santa, o lugar de esperança por onde Jesus quer entrar para iluminar a nossa gruta tantas vezes vazia, fria e inóspita. Cabe-nos a nós decidir se queremos não só celebrar, mas sobretudo viver o Natal. Se queremos participar no presépio. Se queremos, como diz São João, «ver a Sua glória», tocar o mistério, acolher a Vida. E se isso acontecer, e Jesus nascer na nossa casa e na história, Ele dir-nos-á: «Agora nasce tu». Santo e feliz Natal de Jesus, e também nosso.





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