domingo, 4 de fevereiro de 2018

O meu comentário à Liturgia da Palavra deste V Domingo do Tempo Comum (in «Liturgia Diária», Paulus Editora)



«Todos Te procuram», dizem Pedro e os companheiros a Jesus. Desde sempre esta premissa esteve no horizonte de pensadores, filósofos e teólogos de todos os tempos. De muitas formas, com muitos rostos, através da razão ou da revelação, Deus tem sido, ao longo dos tempos, a maior das questões. Deus pode não ser uma evidência para alguns, mas não deixa de ser uma pergunta para todos. Daí que de muitas maneiras a procura de Deus tem sido um desafio empreendido por tantos. A questão de Deus existirá sempre que persistir a questão da existência humana e a questão do sentido da vida. A própria Sagrada Escritura tematiza esta matéria, e disso nos testemunha a liturgia de hoje nas suas diferentes perspectivas: a figura de Job como paradigma daqueles que questionam a passividade divina diante do sofrimento (do justo); o apóstolo Paulo como espelho daqueles para quem a questão de Deus é uma questão fulcral, enquanto Boa Nova (Evangelho) a ser anunciada; e a multidão que segue Jesus como representativa da humanidade que só no Senhor pode encontrar a resposta para os seus problemas.
__________

Uma das características do Jesus de Marcos é a Sua itinerância. Como Evangelho do caminho do discípulo por excelência, a aparente incapacidade de Jesus Se fixar num lugar impele os Seus seguidores (e o leitor) a fazer o mesmo percurso, a ir atrás, a caminhar com Ele. Ao longo desse trajecto, contemplam-se não só os milagres, as curas ou as palavras das Suas pregações, mas também a forma como rezava. Por isso, diante do Evangelho percebemos alguns traços da pessoa de Jesus, que como cristãos somos chamados a imitar.
A acção pastoral de Jesus centra-se muito na proximidade. Para Jesus, todos são importantes a Seus olhos. Dá a sensação que Jesus tinha a capacidade de levar as pessoas a sentirem-se únicas, mas sobretudo a sentirem-se amadas (nomeadamente quando tantos marginalizavam aqueles que se aproximavam d’Ele). No entanto, percebe-se que não obstante a centralidade da pessoa e da sua salvação, Jesus vivia as relações com absoluta liberdade: ‘fazia o que tinha a fazer’, com naturalidade, mas tinha a consciência de que havia uma grande multidão a quem a salvação deveria chegar. A insaciedade diante do número de ‘crentes’ era apanágio da Sua missão: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim».
Tudo isto fazia Jesus com a máxima discrição possível, inclusivamente na oração. A insistência nos pedidos de que não divulgassem a Sua identidade prende-se não só com uma espécie de ‘segredo messiânico’ que atravessa todo o evangelho de Marcos mas também com o afastamento do sensacionalismo e do protagonismo que Jesus jamais desejou. Também a missão da Igreja, enquanto continuação da missão do seu Senhor, deve caracterizar-se por esta ‘discrição’ própria de quem sabe que o mistério que torna presente sacramentalmente não vem de si mas de Deus, e por isso não deve ser autorreferencial. A forma como reza e a sede de procura daqueles que ainda não encontraram Deus ou vivem o drama do sofrimento deve ser o «título de glória» da Igreja e de todos os seus ministros (clérigos, religiosos e leigos), como bem salienta Paulo. O «sonho missionário de chegar a todos», como refere o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, não pode deixar de constituir para a Igreja de hoje o horizonte máximo da Sua acção, fazendo-se «tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo». E tudo isso porque, de forma latente ou evidente, continua a existir uma multidão que procura Jesus ou que, de um modo menos convencional, persiste em interrogar-se sobre a questão primordial da existência humana e do sentido da vida.

Sem comentários:

Enviar um comentário