terça-feira, 30 de outubro de 2018

«O pequeno caminho das grandes perguntas»


«O pequeno caminho das grandes perguntas» é um dos últimos livros da autoria do agora Arcebispo e poeta José Tolentino Mendonça. Naturalmente que o nome do autor seria automaticamente garantia de qualidade, ao qual se acrescenta a pertinência do título, que faz todo o sentido numa sociedade que parece ter perdido a curiosidade pelas perguntas e pelas grandes questões da vida.

Esta obra não é um romance nem uma obra articulada com uma unidade temática, que serve de fio condutor do princípio ao fim. O livro é antes uma obra bem ao estilo do autor: pensamentos soltos mas profundos, onde o autor parece abrir o baú daquelas questões que pareciam esquecidas num passado longínquo mas que vêm iluminar o presente de uma forma inspiradora. No fundo, lendo e saboreando cada frase damo-nos conta de que é urgente recuperar o olhar contemplativo de quem vive na presença de Deus e que até as coisas mais banais da vida nos remetem para uma transcendência não reduzível ao imediato e ao visível. Tolentino Mendonça tem a capacidade de nos fazer penetrar na essência das realidades, saltando o patamar da materialidade e fixando o olhar na profundidade do tema a que se propõe tecer com a criatividade artesanal que lhe é reconhecida. 

A obra desafia-nos sobretudo a não permanecermos estáticos na nossa peregrinação. «O caminho faz-se caminhando», mas também questionando e procurando. As perguntas fulcrais exigem apenas uma atitude básica: a de querer caminhar, e de se abrir à surpresa permanente que a Vida nos proporciona. Perscrutar o que se esconde por detrás de um amigo, de um abraço ou de uma simples viagem transforma a monotonia do nosso olhar numa sinfonia cromática em que até as realidades rotineiras do quotidiano adquirem a densidade de uma epifania celeste. Tal como o próprio escritor nos incita ao escolher como lema episcopal a frase: «Olhai os lírios do campo». Olhar... contemplar... apreciar... saborear. Perguntar o porquê e o para quê das coisas, escutando a inaudível Voz que se esconde por detrás do que vemos e experimentamos, é a premissa para percorrer esse pequeno caminho das grandes perguntas. É um convite provocatório, mas simultaneamente desafiante: a opção por uma vida autenticamente teologal, capaz de transformar as questões em possibilidade de encontro, sabendo de antemão que em qualquer situação «a fé tem a forma de uma hipótese. A fé vive do combate, pois nada nunca está feito, nada nunca está acabado, nada é completamente conhecido. Caminhamos às apalpadelas, como se víssemos o invisível». No fundo, adaptando a premissa cartesiana do «Penso, logo existo», Tolentino redefine a condição básica da pessoa crente: «Pergunto, logo caminho».

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