quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Amar até ao fim - o que significa isso para nós?



Uma das frases que mais me espanta em todo o Evangelho (ou evangelhos) vem expressa em Jo 13,1: «Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim». Para um leitor que se coloca dentro da história de Jesus e com Ele faz caminho, uma das perguntas será: Mas o que falta fazer, o que falta amar? Jesus já havia operado milagres (ou sinais, para ser mais fiel à teologia joanina), já havia derrubado os limites humanos impostos à misericórdia divina (perdoando a mulher adúltera, por exemplo, no capítulo oitavo de S. João), já havia reintroduzido os samaritanos na dinâmica da salvação (veja-se o diálogo com a Samaritana, em Jo 4) e até já tinha alimentado uma multidão de pessoas no episódio da multiplicação dos pães. Jesus, a partir deste capítulo 13, vai mostrar o que significa amar até ao fim e quais os desafios que nos lança para viver esta forma Christi.
Em todos aqueles casos, houve sempre algum beneficiado: alguém que é perdoado, que é alimentado, que é curado. Mas o amar até ao fim tem outro sentido mais profundo: traz a marca do paradoxo, aquela do 'amar por amar', do puro desinteresse, da mais autêntica gratuidade. Este amar até ao fim começa por se exprimir no gesto do lava-pés. Ao contrário do que alguns postulam, não se trata apenas de um gesto ritual de purificação. Os pés simbolizam o peso de toda a vida. É nos pés que se concentram as feridas do caminhar, os suores e a fadiga do viandante; são os pés que permitem ou impedem de caminhar, que definem o estar em pé ou deitado. No fundo, manifestam aquelas realidades mais íntimas e impenetráveis que tantas vezes são ocultadas e mantidas no segredo do próprio e de Deus. Nesse gesto, Jesus purifica tudo aquilo que pode ser visto como deplorável, motivo de condenação e humilhação, e até de vergonha. Talvez assim se compreenda a resposta de Pedro: «Senhor, Tu vais lavar-Me aos pés?». Deixar-se amar é mais difícil do que amar, diz-nos a experiência humana à qual Pedro não é alheio.
Mas para Jesus, este gesto apenas anteciparia outra 'descida', outra quenose: a da morte. A humilhação máxima de Jesus não foi lavar os pés aos discípulos, mas dar gratuitamente a vida por eles (e por toda a humanidade). Não entro em questões teológicas, mas apenas existenciais. Jesus amou até ao fim não só porque o fez até à morte, mas porque amou até para lá do amor dos seus. Jesus amou até ao fim aqueles que Lhe viraram as costas, que O abandonaram, que O crucificaram, que O injuriaram. Jesus amou até ao fim contra todas as regras da lógica humana, para mostrar que a equação do amor cristão é o amar sem medida. Senão, como explicar que mesmo depois da traição, Jesus continue a confiar a Pedro o cuidado pastoral da Sua Igreja (Jo 21)? 
Com tudo isto, aprendemos de Jesus como amar até ao fim num mundo que quer dar às coisas uma categoria de efemeridade, em que tudo é transitório e passageiro, mesmo o amor, reduzido a uma mera emoção e sentimento que flutua ao sabor das circunstâncias. Jesus mostra que cada pessoa merece não só o nosso respeito e dignidade, como a nossa confiança. Não podem ser sensibilidades e gostos pessoais a definir o amor a uma pessoa ou a uma realidade, seja na vida eclesial ou na vida social. O amor ao Papa, por exemplo, não pode depender de uma certa afinidade que mantenho com ele, ou não. O amor à Igreja não vive de um mero assentimento face ao que diz e propõe, face ao que se concorda ou não se concorda. Amar até ao fim significa estar disposto a confiar sempre naquele ou naquela que se ama, a não vacilar diante das dificuldades mas a permanecer unido ao 'amado'. Não há amor sem comunhão, sem misericórdia, sem paciência. Fugir ou 'rasgar o contrato' são alternativas fáceis, mas não as mais justas. O 'deveriaqueísmo' (neologismo do Papa Francisco) mais não é do que colocar-nos numa posição de meros opinadores mas pouco corresponsáveis por manter o amor vivo até ao fim. Isso passa-se com alguns políticos ou com os chamados 'treinadores de bancada' no futebol. Amar até ao fim significa permanecer junto daquilo que amo mesmo nos momentos da cruz, da tribulação, da dificuldade. Se assim não for, amaremos sempre de forma volátil e circunstancial, dependente de ideologias e convicções pessoais e nunca de um verdadeiro amor (entrega de vida) àquilo (aquele, aquela...) que dizemos amar infinitamente.

P.S. - Este texto foi 'provocado' pela situação atual do SL Benfica, e sobretudo pela declaração de um jogador, que afirmou: "Não percebo porque os adeptos não estão connosco"...

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