domingo, 11 de novembro de 2018

Comentário às leituras do Domingo XXXII do Tempo Comum na "Liturgia Diária"


A figura da viúva merece o destaque da liturgia da palavra de hoje, nomeadamente na primeira leitura e no evangelho. Não deixa de ser sintomático que a Sagrada Escritura utiliza invariavelmente pessoas aparentemente mais vulneráveis socialmente como testemunhas eloquentes de fé. Uma das premissas básicas do crente, e que as viúvas aqui manifestam, é o viver de Deus e da Sua Providência. A confiança no infinito poder divino manifesta-se de modo extraordinário nas leituras de hoje, e a atitude das viúvas constitui-se para nós como um desafio audaz a imitar os seus gestos e a sua atitude interior.

A viúva é uma das categorias sociais mais desprotegidas no ambiente bíblico. Sem a proteção do marido, tantas vezes a braços com a educação solitária dos filhos e com as dificuldades inerentes à pressão social e económica, as viúvas viviam um permanente estado de abandono e necessidade. A viúva de que fala a leitura do livro dos Reis é uma estrangeira, o que amplia mais ainda o espanto diante daquela que Deus escolhe para testemunha de fé.
A cena aparentemente caricata começa quando Elias, sabendo de antemão as dificuldades materiais da viúva de Sarepta, pede um gesto de caridade a alguém que pouco ou nada tem para oferecer. Posteriormente percebemos que este pedido não se deve a um instinto pessoal do próprio profeta mas a uma ordem divina. E é esse o segredo que se esconde por detrás da narrativa: não é a primeira vez que Deus desafia as certezas humanas e convida a entrar na lógica da fé. Através da atitude da viúva Deus mostra como mesmo uma vida desprovida de bens (materiais) pode ser capaz de produzir milagres quando se deixa preencher por Deus e pelos Seus dons. A dignidade reconhecida à viúva mostra como cada vida humana é inviolável e plena de dignidade. Deus olha constantemente para estes ‘pobres’ de bens mas ricos de humanidade e oferece-lhes a garantia de não lhes faltar com o essencial. A viúva faz essa experiência quando Elias lhe pede não apenas um gesto de hospitalidade (trazer uma bilha de água) mas também uma atitude de fé (trazer um pedaço de pão, algo que a viúva não poderia oferecer). E nesse ato de fé a promessa do Senhor não falhou e a comida não mais faltou. 
Atitude semelhante, que encontra na mulher de Sarepta inequívoca inspiração, encontramos na figura da viúva exaltada por Jesus. A atitude desta visa sobretudo pôr em realce a hipocrisia mascarada de religiosidade por parte dos escribas. A sua opulência, o fausto religioso, a sede de protagonismo e a ganância são desmontados por Jesus através do paralelo que traça entre os ricos e a pobre viúva. Jesus não perde a oportunidade para confrontar a falsidade das aparências religiosas dos escribas e de outros judeus que se julgam observantes da Lei. Porém, mais não são do que pessoas socialmente respeitadas que no fundo escondem um vazio comum: uma religiosidade hipocritamente ostentada, mas sem profundidade e interioridade. Naturalmente que a oferta daquela pobre viúva é materialmente mais insignificante que a dos ricos; porém, enquanto estes deram apenas o que lhes sobravam, ela deu tudo o que tinha. E isso engrandece a atitude da viúva em detrimento da dos ricos, pois nos diz e desafia a vivermos desprendidos dos bens materiais e a confiar na Providência. Não sabemos ao certo, porque o texto nisso é implícito, se a viúva o fez por generosidade ou verdadeira confiança no Senhor. Mas o contraste com os escribas parece sugerir que a sua fé não se nutre de aparência, mas de transparência: é verdadeira e autêntica. A figura da viúva (ou das viúvas, se incluirmos a primeira leitura) mostra que as nossas ações não valem tanto pela grandiosidade (e quantidade) do que fazemos (ou damos), mas pelo amor com que fazemos (ou damos). A medida há-se ser sempre a atitude interior que preside à ação como efeito positivo daquilo que se é. Por isso, as leituras de hoje deixam-nos o desafio de fazermos experiência da confiança absoluta em Deus e de não vivermos demasiado obcecados e alienados pelos bens deste mundo. Como tão bem dizia Santa Teresa de Ávila: «Nada te perturbe, nada de espante. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta». É esse o testemunho que também hoje nos dão as pobres viúvas referidas na Palavra de Deus.


1 comentário:

  1. Linda a sua reflexao Padre David! E, e mesmo, quem a Deus tem, nada falta porque Ele mesmo preenche as nossas faltas. Beijinho grande e muito obrigada como sempre! Boa semana e que Deus o abencoe e ilumine sempreee!

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