terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Isaías: figura da esperança


(Pintura: «Isaías», da autoria de Rafael, Igreja de Santo Agostinho - Roma)

Após ter feito a proposta de uma leitura bíblica continuada, que sem casualidade começa com a leitura da profecia de Isaías, decidi reflectir um pouco sobre quatro grandes figuras do advento, uma em cada semana, que a própria liturgia faz menção na Palavra proclamada.

A primeira dessas figuras é Isaías. Este é o primeiro dos chamados «profetas maiores». O seu livro possui um total de 66 capítulos (o maior em toda a Bíblia), mas no fundo são três livros:
  • O Proto-Isaías (Is 1-39)
  • O Deutero-Isaías (Is 40-55)
  • O Trito-Isaías (Is 56-66)
O Proto-Isaías (o único que remonta ao tempo de Isaías ou da sua escola, cerca de 756 a.C.) é aquele que neste momento mais nos interessa na relação do profeta com o tempo do Advento. Isaías é um homem de Jerusalém, nascido numa família alargada, tendo tido vários filhos e frequentado os círculos próximos dos «sábios» e dos «funcionários reais». A sua vocação profética (Is 6), descrita em ambiente de verdadeira corte celeste e uma 'visão' da glória de Deus, mostra-nos como a realidade cultual do Templo lhe era próxima. Ao mesmo tempo, ela constitui um espelho da consciência do profeta acerca da santidade divina, aspecto nevrálgico na sua mensagem que o leva à constatação do fosso que o povo eleito foi criando em relação ao seu Deus.

A 1ª parte do livro (Is 1-12) é fundamentalmente constituída por oráculos, visões e poemas que fazem eco da situação religiosa e política do seu tempo. As suas descrições, carregadas de um realismo que muitas vezes se aproxima da desolação, são marcadas por grande severidade. Isaías, um verdadeiro visionário, interpreta a situação de exílio e constantes invasões estrangeiras do território israelita como uma consequência das infidelidades do povo. Porém, como verdadeiro profeta, este não se deixa 'alienar' pela situação negativa do presente, mas como paradigma da esperança antecipa a manifestação plena do Senhor e a instauração de um novo reino de paz, onde até «as nações» (e não só os judeus) são acolhidas e conduzidas ao Senhor do universo (Is 2,2). Isaías reactiva, deste modo, o messianismo davídico (ou real), que acelera esta certeza de que Deus enviará um «Ungido» que dará ao seu povo o domínio universal, e ao mundo inteiro a prosperidade e a paz.

É este simbolismo messiânico, de espera e expectativa, contraposto a um povo «que não vê nem ouve», que fez de Isaías uma figura da esperança neste tempo do advento. Várias são as referências, directas ou indirectas, que uma leitura cristã de Isaías vislumbrou como anúncio profético de Cristo, e que a Tradição consubstanciou na práxis litúrgica, nomeadamente nos textos que dão corpo à liturgia do Advento e do Natal:

Is 1,3: «O boi conhece o seu dono, e o jumento a manjedoura do seu senhor, mas Israel é incapaz de conhecer, meu povo não é capaz de entender».

Is 7,14: «O Senhor mesmo vos dará um sinal: Eis que a donzela está grávida e dará à luz um filho, e dar-lhe-ão o nome de Emanuel».

Is 9,1-6: «O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria [...] Porque um Menino nasceu para nós, um filho nos foi dado».

Is 11,1-9: «Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes [...]».

Que com Isaías não sejamos meros «profetas da desgraça», mas no realismo de quem vê a realidade com a fé que capacita o nosso olhar para além da superficialidade, nos apresentemos como sinalizadores de esperança numa sociedade carregada de pessimismo.

1 comentário:

  1. Linda explicação deste livro da Biblia !!! Obrigada Pe David! Também o Pe David é um profeta que o Pai escolheu para Seu mensageiro.

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