sábado, 16 de dezembro de 2017

Nossa Senhora: figura da fé


(Quadro da Anunciação, da autoria do Beato Fra Angelico, Convento de S. Marcos - Florença)

A liturgia do Advento conhece, a partir do dia 17 de Dezembro, uma mudança de tonalidade: ao ênfase da última vinda de Cristo (vinda escatológica), segue-se a memória da primeira vinda (histórica), sempre vivida e celebrada na consciência de uma vinda sempre contínua (vinda sacramental). E neste tempo, Maria ocupa um lugar de primeiríssimo destaque.

Se Isaías e João Baptista, cada um a seu modo, preparam a vinda do Messias, Maria é aquela que torna essa realidade possível, também ela preparada desde sempre por Deus para esta insubstituível missão. É nela que se concentram os holofotes isaianos, ainda que relidos cristicamente num período posterior: «Eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, chamado Emanuel». Jesus é Deus connosco porque Maria é também connosco, da mesma natureza, comungando a debilidade da nossa carne, mas preservada por Deus do pecado original para acolher no seu seio o Verbo eterno do Pai.

Mas este desígnio salvífico de Deus que passa através de Maria não é um mero pré-determinismo, não é um evento que se coloque na agenda para nos recordar que irá acontecer; Maria foi sempre, até ao fim, inteiramente livre. Maria poderia ter rejeitado a proposta de Gabriel, poderia ter sido discípula sem ter sido mãe, poderia ter vivido a rotina normal de uma esposa sem se consagrar plenamente ao Senhor. Poderia, mas não o fez! Porque Maria é uma mulher de fé, para quem o «Sim» a Deus é mais que um dever, é uma obrigação assumida em plena liberdade, cujas consequências vão para lá de uma atitude meramente exterior e de tempos cronologicamente bem definidos!

Neste tempo do Advento e do Natal, Maria constitui o grande sinal do que acontece a quem vive segundo a fé. Como Mãe, gera a Cristo no seu seio; como discípula, gera a Cristo no seu coração. Como Mãe, dá à luz o Deus Connosco (o Emanuel), como discípula ensina-nos a conceber o «Deus em nós». Este é o itinerário de fé que Nossa Senhora nos propõe nestes dias que faltam até à celebração do Natal do Senhor: que o «Sim» seja um princípio normativo das nossas opções diante da vontade divina, a fim de que o nosso coração se torne um útero da «Palavra» que faça Cristo germinar, encarnar e actuar na nossa vida. A este propósito diz Santo Agostinho: «Maria cumpriu, e cumpriu perfeitamente, a vontade do Pai; e, por isso, Maria tem mais mérito por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido mãe de Cristo. Maria era bem-aventurada porque antes de dar à luz o Mestre, trouxe-O no seu seio. Maria era feliz porque ouviu a palavra de Deus e a pôs em prática; guardou mais a verdade de Cristo na sua mente do que o corpo de Cristo no seu seio».

Rezemos com Maria e como Maria para que se faça em nós segundo a Palavra do Senhor, e a obra da salvação continue através do nosso testemunho, sinal visivel de que Deus continua a ser «Emanuel», Deus Connosco, e a realidade da Encarnação encontre na sacramentalidade da Igreja o prolongamento histórico deste mistério vivido há 2 mil anos através das sagradas entranhas da Virgem Santa Maria. Só quando Jesus deixar de ser um evento exterior para se tornar um hóspede interior do coração é que acontece verdadeiramente Natal; é esse o processo de fé que em Maria vemos espelhado como virtude a imitar, a acolher, a desejar!


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