domingo, 12 de novembro de 2017

Celibato: sim ou não?



Começa hoje a semana de oração pelos Seminários, cujo lema é «Fazei o que Ele vos disser». Aproveitando esta realidade da vida da Igreja, uso este meio para reflectir e partilhar um pouco daquilo que tem vindo a ser a minha síntese teológica a partir da própria experiência pessoal de celibatário.

Celibato: sim ou não? Este tem sido um dos temas mais falados nos últimos tempos, e um argumento sempre muito contestado mas igualmente defendido pela Igreja como um dom a preservar. Várias vozes de levantam contra a «imposição» do celibato para os candidatos ao sacerdócio, defendendo um 'estatuto' igual aos demais na livre escolha do matrimónio. Mas o que está mesmo em questão quando se fala do celibato?

No dia da ordenação diaconal, momento em que nos tornamos clérigos e por isso com uma vocação de especial consagração, o bispo nos pergunta: «Vós, que estais preparados para abraçar o celibato, quereis, como sinal do vosso coração consagrado a Cristo Senhor, guardar perpetuamente este propósito por amor do Reino dos Céus, ao serviço de Deus e dos homens?». O candidato responde LIVREMENTE: «Sim, quero». 

A partir daqui gostaria de partilhar algumas reflexões. Em primeiro lugar, quero dizer que o celibato não é uma questão dogmática, mas disciplinar. Basta verificar que a Igreja de Rito Bizantino aceita o ministério sacerdotal exercido por homens casados, ainda que o mesmo não se aplique ao episcopado, onde é obrigatório ser-se celibatário. No entanto, mesmo aí o celibato é altamente aconselhável e não menosprezável. Daqui deriva que a preservação do celibato da Igreja latina como condição para o sacerdócio se deve a uma consciência do dom que ele reveste para as comunidades e para a indivisibilidade de coração que se deseja num sacerdote. 

Em segundo lugar, nunca houve na Tradição eclesial o hábito de permitir aos padres que casem, mas antes ordenar homens casados. Essa é a prática da Igreja do Oriente e a proposta que muitos hoje fazem como forma de contrariar o natural défice de vocações em algumas regiões do Globo. No entanto, por detrás desta proposta aparecem muitas tendências funcionalistas, que tendem a esvaziar o sentido da vocação propriamente divina: tornar-se-ia uma forma «rápida e eficaz» de fazer face a um problema real mas que abalaria a dimensão «ontológica» que reveste o carácter sacerdotal. Deste modo, alguns postulam que deveriam ser as comunidades cristãs a escolher homens idóneos, maduros e consensuais para ser apresentado como candidato ao sacerdócio e assim poder celebrar Eucaristia e perdoar os pecados até que a crise de vocações cessasse. Creio que esta via não se coaduna com aquela dimensão sobrenatural que preside a cada chamamento, nem sequer satisfaz as exigências de liberdade e de perpetuidade que a teologia sempre defendeu ao enunciar a questão do «carácter indelével» que assinala para sempre os que se configuram a Cristo no sacramento da Ordem. O modo de apresentar a questão parece igualmente reduzir o ministério presbiteral aos sacramentos e introduzir uma espécie de limite 'espacial' para o exercício da missão.

Em terceiro lugar, quero recordar que o celibato nem sempre constituiu uma condição sine qua non para aceder ao sacerdócio, mas foi sendo amadurecido e proposto a partir da reflexão da Igreja, das exigências pastorais cada vez maiores e, naturalmente, de um entendimento mais claro da radicalidade evangélica promovida por Jesus. Ao percorrer as páginas do Evangelho verificamos que uma das condições, senão a maior das condições, para seguir Jesus era o «deixar tudo». Sabemos que Pedro tinha esposa, pois se faz referência à sua sogra (Lc 4,38); o mesmo aconteceu provavelmente com a grande maioria dos apóstolos, que por obediência ao projecto de Jesus, abdicaram de tudo para O seguir. O mesmo Jesus enaltece este estilo de vida em Mt 19,12, quando afirma que «há eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus». Ou seja, mesmo sem ser uma realidade obrigatória, o celibato é um estado de vida valorizado e apreciado, e em Jesus colocado como exigência para alguns (que, no entanto, têm liberdade de aceitar ou não, pois Jesus não o impõe).

Em quarto lugar, o celibato é exercido em liberdade e requer, isso sim, maturidade humana e afectiva. Dizer que o padre é «obrigado» ao celibato é uma terminologia errada, já que a resposta do candidato é: «Sim, quero». Ou seja, os anos de seminário servem para amadurecer a pessoa nas diferentes dimensões (humana, afectiva, sexual, espiritual, etc) a fim de que esta se sinta conscientemente preparada para abraçar o celibato e desejar, de forma livre, fazer dele o seu estado de vida. A mesma analogia se pode fazer para o matrimónio: ninguém obriga a pessoa X a casar com a pessoa Y, é a união de duas vontades que se concretiza na celebração de um sacramento (o matrimónio) apoiado na unidade, indissolubilidade e fidelidade. E esse compromisso feito de forma livre e segundo a vontade dos nubentes, sem coacção de terceiros. No entanto, isso não significa que posteriormente as coisas não resultem e tenham que vir a separar-se; porém, não se coloca em causa a liberdade com que assumiram o compromisso e tomaram consciência das suas responsabilidades e exigências. A mesma comparação pode ser feita com o voto de celibato dos padres. 

Em quinto lugar, é demasiado redutor cingir o argumento do celibato a um «reducionismo fisicista» (ou biológico). Ou seja, um dos argumentos que mais sobressaem na oposição ao celibato dos padres é a impossibilidade de responder aos impulsos ditos sexuais que cada ser humano tem. Porém, a maturidade humana exige que levemos a sério várias virtudes tipicamente cristãs, como o auto-domínio ou a prudência, que tanto vale para os padres como para os casais que vivem em matrimónio. E esta continência a que os padres são chamados não se trata de um «heroísmo» supra-humano, mas de uma realidade tornada possível pela acção do Espírito Santo que sempre nos anima e fortalece. O que está verdadeiramente em causa é a vivência plena do amor, de um coração indiviso que manifesta de várias formas a dimensão oblativa da vida a que é chamado. É o amor que plenifica, que se assume como critério e forma de vida: no matrimónio manifesta-se na entrega total (física e espiritual) que os esposos fazem um ao outro, no sacerdócio manifesta-se na entrega total (física e espiritual) que o sacerdote faz de si mesmo para Deus e para a Igreja. Querer ver no celibato o fundamento para os 'escândalos' de pedofilia e outros desvios morais por parte dos padres é uma extrapolação; usando o mesmo critério da analogia, como se explicam então situações semelhantes por parte de pessoas casadas e em número muito mais elevado?

Em quinto lugar, não deixa de ser tantas vezes paradoxal que as pessoas que mais se opõem ao celibato ou são aquelas que não precisam dos padres e por isso não se incomodam de ver um padre a ter um estilo de vida igual aos outros, ou são aquelas que mais tempo e dedicação exigem dos padres. Efectivamente, a conciliação de uma vida matrimonial e sacerdotal seria uma dificuldade, mais que uma solução. Traria ao sacerdote dificuldade em definir prioridades, em conciliar o natural cuidado da vida familiar com a dedicação total às comunidades a que preside; poderia ainda torná-lo numa espécie de «funcionário do sagrado» que não faz parte da nossa Tradição católica romana, entre outras questões que agora me escuso de mencionar.

Como bom cristão católico, não absolutizo a minha opinião. Sou obediente à Igreja e aceito qualquer reflexão honesta e fundamentada que se possa fazer, mesmo que isso acarrete a mudança de paradigmas vigentes. A questão do celibato pode ser mudada? Pode, claro que pode. Mas eu, na minha liberdade, escolho ser celibatário. Creio que continuam a fazer sentido as reflexões de grande teor teológico feitas pelo Papa Paulo VI na sua encíclica Sacerdotalis Caelibatus. Aí afirma o Santo Padre que o celibato deve ser visto em três perspectivas:

  • Cristológica - o celibato como estado de vida livremente escolhido por Jesus e que os sacerdotes procuram reproduzir escolhendo livremente o celibato como forma de vida;
  • Eclesiológica - o celibatário é imagem de Cristo Esposo, que tem a Igreja como esposa e por ela se entrega incondicionalmente, encontrando no celibato a forma de viver essa entrega de uma forma mais desprendida, disponível e total;
  • Escatológica - o celibatário antecipa e torna visível a eternidade a que todos somos chamados, fazendo da sua vida testemunho dessa realidade última em que «nem eles nem elas se dão em casamento».
Mas mais do que tudo, o celibato é um dom que a Igreja preserva desde há muito tempo e que deve amar e proteger. Aos cristãos e às famílias cabe a missão e a responsabilidade de ajudar a que possam ser amenizados alguns elementos inerentes ao celibato e que humanamente podem ser mais difíceis de viver, como a solidão. Temos uma Igreja a caminho, que será sempre assistida pelo Espírito Santo e saberá dar as melhores respostas às questões que se colocam em cada tempo. Estou convicto que isso acontece igualmente com a questão do celibato.

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