terça-feira, 7 de novembro de 2017

Os padres não podem pecar?



É gritante e evidente a forma manipuladora como a comunicação social se aproveita de notícias 'menores' para fazer uma espécie de «Caso de Inquisição». Sim, parece verdadeiramente um caso dessa realidade que tantos repudiam e acusam como uma vergonha histórica da Igreja, mas vista anacronicamente para explicar a sua aversão (ou indiferença) actual em relação a esta instituição.

Ora, esta semana temos assistido a uma verdadeira novela (para não lhe chamar outra coisa) em relação à paternidade biológica assumida por um sacerdote, fruto de um envolvimento (fortuito) com uma senhora. E logo se alçam vozes discordantes, ajuizadoras e intolerantes sobre a aparente desonestidade e indignidade do dito sacerdote para continuar a desempenhar o seu ministério presbiteral. Aí está o paradoxo: as vozes que se alçam para acusar a falta de caridade e misericórdia  da Igreja diante de algumas situações ditas 'irregulares' são as mesmas que se alçam para apelar à falta de caridade e misericórdia da Igreja para com este sacerdote. Esta autêntica novela ganha contornos de verdadeiro enredo através de chavões feitos mas sempre repetidos até à exaustão, aproveitando esta notícia para defender convicções pessoais e posições imadurecidas.

A pergunta que faço é esta: os padres não podem pecar?! A resposta parece óbvia. Mas importa aprofundar. Obviamente que os padres não devem pecar; assim como os cristãos não devem pecar! Vou mais longe: nenhum de nós quer pecar. É esse o propósito que fazemos sempre que nos confessamos. Mas a realidade que vivemos é outra: não devemos pecar, não queremos pecar... mas pecamos. Já diz S. Paulo: «sei o bem que quero e faço o mal que não quero» (Rom 7,19). Mas a pedagogia divina diz-nos que não devemos ficar amarrados a esse pecado; a misericórdia deve triunfar sobre os efeitos nefastos que o pecado provoca. A acção de Jesus consistiu em 'crucificar' o pecado para resgatar o pecador! Esta continua a ser a pedagogia da Igreja, quando no sacramento da Reconciliação o sacerdote, no momento da absolvição, diz: «Eu te absolvo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo!». E no fim pode acrescentar as palavras que Jesus pronunciou à mulher adúltera: «Vai e não tornes a pecar!» (Jo 8,11).

«Vai e não tornes a pecar!». É esta a frase chave. Não tornar a pecar. Eu não quero pecar, eu não devo pecar, mas peco! E reconheço esse erro. E assumo esse erro. Mas a misericórdia de Deus, mediante o nosso arrependimento e contrição, continua a dizer: «Vai e não tornes a pecar!». É provavelmente esta certeza de fé e este desejo de coração que fazem com que um sacerdote se possa erguer diante das suas quedas, que se possa levantar diante dos seus fracassos, que se possa recompor diante de um descuido. Porque não quer ficar afecto a esse pecado, porque pode não ficar afecto a esse pecado, porque «a misericórdia triunfa sobre o juízo» (Tg 2,13). Mas nós, padres, viveremos sempre paradoxalmente este limite de quem é olhado (e bem) como testemunha privilegiada de fidelidade: o perigo de não se perdoar a quem já tanto perdoou; o perigo de ser julgado por aqueles para quem foi o único a não julgar em determinada circunstância da vida dessa pessoa; o perigo de universalizar o particular em que os defeitos e pecados de um se tornam irremediavelmente os defeitos e os pecados de todos; o perigo de querer atribuir ao dom do celibato, escolhido voluntaria e livremente, a raíz de todos os problemas de natureza afectivo-sexual, sem usar os mesmos critérios e analogia para membros de casais que cometem (os mesmos) desvios morais e incumprimento da fidelidade (e em muito maior número)!

Como tão bem tem frisado o Papa Francisco, há que discernir cada situação no seu contexto! Adultério sempre haverá, mesmo que não o queiramos; infidelidade ao celibato sempre haverá, mesmo que o não desejemos. Mas o que Deus não quer verdadeiramente é que a nossa vida e a nossa vocação sejam postas em causa por um «acidente de percurso», seja no matrimónio seja no sacerdócio. Assumir o(s) erro(s) e os seus efeitos demonstra humildade, coragem e grandeza humana. Saber superá-lo(s) e reconciliá-lo(s) connosco já é dom e graça de Deus. Crucificar o pecado e 'revitalizar' o pecador - eis o desafio a cada um de nós. Pois já diz o Apóstolo: «quem és tu para julgar o próximo?» (Tg 4,12); ou o próprio Jesus: «Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra» (Jo 8,7). 

1 comentário:

  1. Extraordinária a forma como, através da sua mensagem se entenda que em cada Padre mora um Homem que, como qualquer um não devendo, não querendo, não desejando também pode pecar. Mas acima de tudo que o assumiu e confessou celebrando desde logo essa virtude da humildade e da coragem humana. Agora, como qualquer Homem ou Mulher que este Padre confessou deve ser a sociedade, os seus paroquianos e todos nós que sabemos da grandiosidade da Misericórdia de Deus a aceitar , dizendo: “Quem nunca pecou que atire a primeira pedra” ( Jo 8,7 ).
    À comunicação social perante esta forma tão pouco digna de aproveitamento desta noticia deverá Jesus dizer-lhes o que disse à mulher adúltera...
    Forte e fraterno abraço Padre David

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