quarta-feira, 1 de novembro de 2017

SER SANTO - ENTRE A REALIDADE E A UTOPIA




Hoje celebramos a Solenidade de Todos os Santos: os conhecidos e desconhecidos, os de devoção ou os sem nome. Mais do que um mero feriado com enraízadas tradições, com idas maciças ao cemitério (antecipando o dia 2) e o tradicional «Pão por Deus» (hoje em dia, transformado em tantos lugares num desfile carnavalesco de bruxas, fantasmas e demónios), a presente solenidade constitui para nós uma «pro-vocação». Celebrar Todos os Santos não é apenas «exultar de alegria no Senhor e entoar hinos e cantos» aos nossos intercessores, tornando mais visível esta união estreita entre a Igreja terrestre e a Igreja celeste, que ganha uma densidade própria na celebração da Eucaristia. Celebrar Todos os Santos significa percorrer a estrada da santidade que é possível não só a algumas ilustres figuras do passado e do presente mas a todos os que pelo Batismo se tornam filhos de Deus.

Por isso, esta celebração procura vincar como a santidade não é demodée, mas um desafio permanente lançado a cada crente. A credibilidade da Igreja, hoje em dia, passa forçosamente pela seriedade com que cada um de nós, batizados, acolhe a proposta cristã. Diz S. Paulo: «Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto» (Col 3,1). Eis o que significa procurar a santidade: aspirar às coisas do alto, mesmo na realização das coisas terrenas. Efectivamente, «Deus nos escolheu, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na Sua presença» (Ef 1,4). O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium, veiculou esta «vocação universal à santidade». Mas o que é isso de ser santo?

No Evangelho, Jesus é definido como «o Santo de Deus», e várias vezes pela boca de endemoninhados (veja-se o caso de Mc 1,25). Nos Actos dos Apóstolos, santos são os cristãos perseguidos em Jerusalém (Act 9,13), ou seja, os que percorrem a via de Jesus. Nesta linha de continuidade, percebemos que ser santo mais não é do que trilhar o caminho de Jesus. Não se trata de uma 'encarnação' do Mestre, mas de uma 'imitação' (como Paulo apologeticamente o fazia em tom auto-elogioso da sua pessoa). Ser santo não significa, por isso, viver acima do mundo, numa terra de ficção ou imaginação (isso seria contrariar a lógica da encarnação), mas acolher, discernir e viver em cada momento os sentimentos do próprio Deus que contemplamos em Jesus. No fundo, ser santo implica a 'renovação' permanente do estado de graça em que Deus nos criou, como Sua imagem e semelhança (Gn 1,26). Não se trata, por isso, de um status especial ou de uma realidade extraordinária, mas de uma característica inata e ordinária que carece apenas de uma consciência mais vincada e cuidada da sacralidade do que somos. Porque é possível, como diz S. Paulo, já não sermos nós a viver, mas Cristo a viver em nós (Gal 2,20); porque é possível, como diz Jesus, «ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5,48); porque é possível, pelos sacramentos da Igreja, a santificação contínua de cada fiel e a comunhão plena com Deus; porque o Senhor torna possível que, mediante a acção do Seu Espírito, nos tornemos «templo santo de Deus» (1 Cor 3,16). A santidade não é uma utopia, mas uma possibilidade para quem procura e uma realidade para quem deseja. Se Deus caminha na história através dos passos dos santos, que para muitos é o único Evangelho lido e acolhido pelos nossos contemporâneos, não enjeitemos este dom de transformarmos os nossos passos em pegadas de Deus na história humana, que para o crente será sempre uma «história santa».

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