domingo, 26 de novembro de 2017

Cristo Rei ou... Cristo Pobre?!


Diz S. Paulo: «Jesus Cristo, sendo rico, fez-Se pobre, para nos enriquecer na Sua pobreza» (2Cor 8,9). Esta pode muito bem ser uma chave de leitura da solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. A lógica «real» do Evangelho não é lógica do triunfalismo, mas é a lógica do serviço, da «kénosis» do Filho de Deus, o total esvaziamento da Sua majestade para manifestar a plena condescendência com a natureza humana.

O Papa Francisco instituiu uma Jornada a que intitulou o «Dia Mundial dos Pobres», cuja celebração decorreu na semana passada. Mas esse dia poderia muito bem coincidir com a solenidade que hoje festejamos. Porque a verdadeira realeza de Jesus, e o Reino de Deus que Jesus anuncia (basileia tou Theou, ou seja, a soberania de Deus), são sempre enquadrados na óptica da pobreza evangélica que o Filho de Deus assumiu, testemunhou e convidou a viver. Claro que o Santo Padre pensava naqueles que vivem uma «pobreza social», fruto das injustiças de uma sociedade 'cega', egoísta e capitalista, cujo «economocentrismo» retirou a pessoa humana do centro das prioridades. A Igreja desde sempre assumiu a sua 'opção preferencial pelos pobres', e disso é ilustrativo quer a vida de Jesus quer o testemunho das primeiras comunidades primitivas. No entanto, não é apenas a esta 'pobreza' que Jesus alude, mas à «pobreza humana», aquela que experimentamos enquanto seres humanos.

A pobreza está no âmago do anúncio do Reino de Deus: «Bem aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus» (Mt 5,3). Os pobres são prioridade no conteúdo programático do ministério de Jesus: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os pobres...» (Lc 4,18). É por isso que não se pode compreender a pessoa de Cristo-Rei sem este background neotestamentário. A realeza de Jesus é reconhecida nos momentos em que Aquele se despoja radicalmente da Sua divindade (ainda que sem a perder). Jesus nasce como pobre, em Belém, e aí é reconhecido como Rei por parte dos Magos (a oferta de ouro a isso alude); Jesus morre pobre, humilhado e abandonado, com uma inscrição a dizer «Jesus Nazareno, Rei dos judeus». Aliás, não deixa de ser paradigmático que as leituras dos evangelhos da solenidade do Cristo-Rei nos seus três ciclos de leituras se refiram a Jesus nesta condição de pobreza: a identificação com os mais desfavorecidos e desprotegidos (Mt 25,31-46), o diálogo com Pilatos em que na fragilidade de um condenado afirma a Sua condição real (Jo 18,33b-37) e o momento da morte em que manifesta a força da misericórdia num contexto de extrema penúria e sofrimento (Lc 23,35-43). 

Ou seja, celebrar Cristo-Rei significa celebrar Cristo-Pobre. Neste célebre capítulo 25 de S. Mateus, Jesus identifica-Se com os famintos, os sedentos, os peregrinos, os «sem roupa», os doentes e os presos. Todos estes não são apenas uma imagem de Cristo, são «Cristo» verdadeiramente, no realismo da Sua carne. Esta identificação de Cristo surge igualmente na vocação de Paulo a caminho de Damasco, onde Jesus se identifica com os cristãos perseguidos: «Saulo, Saulo, porque Me persegues?» (Act 9,4). Assim como hoje a Igreja reconhece na pobreza do sacerdote um alter Christus, cuja fragilidade humana se coloca ao serviço da manifestação da graça divina. Ou então, para apresentar um exemplo ainda mais nítido: a realeza de Cristo 'velada' na pobreza material do pão e do vinho, presença real e substancial do Senhor Jesus. Mesmo que na história da Igreja se tenham feito tronos para que o «Rei» pudesse ser adorado, não deixa de ser verdade que essa realeza se exprime na 'pobreza' das espécies eucarísticas. 

Que Deus nos ajude a viver esta pobreza de espírito e de coração, para que aprendamos a reconhecer Cristo-Rei no realismo da pobreza humana, pois como salientou o Papa Francisco numa das suas audiências de quarta-feira: «Os pobres são a carne de Cristo (...).Tocar os pobres é tocar o corpo de Cristo». E assim também aprendamos a fazer da nossa pobreza lugar privilegiado para Deus poder «realizar-Se», anulando as pretensões de auto-suficiência que tantos de nós trazem no coração.

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