segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

«A mística do instante»

Em Novembro de 2015, Portugal teve a graça de poder ver condecorado com um prémio internacional (um prémio literário concedido pela instituição Res Magnae, de Roma) um dos mais conceituados escritores contemporâneos do momento no panorama nacional: o Padre José Tolentino Mendonça. Este reconhecimento internacional viria a ser igualmente seguido pelo reconhecimento nacional por parte do nosso (ainda) actual Presidente da República.

Se o Padre Tolentino já me havia entusiasmado enquanto professor (foi meu professor de Evangelhos Sinópticos e Escritos Paulinos), a minha participação na entrega do prémio, aqui em Roma, suscitou-me o interesse pelas suas obras literárias. E comecei exactamente pelo livro galardoado: «A mística do instante: o tempo e a promessa».

Atrai-me sobretudo a beleza com que Tolentino «tece» as suas frases: a leveza com que flui cada palavra, a ampla semântica que confere a cada expressão, a sábia arquitectura de cada linha de pensamento. O Padre Tolentino não pretende (desculpem a ousadia) deixar uma ideia geral, mas várias linhas de pensamento, sem grande rigidez formal ou pretensões de manual. É um pensador livre que pretende dar vida ao texto através do Espírito que o fundamenta.

Mas este livro tocou-me sobretudo em alguns pontos que julgo serem importantes no olhar da fé e na visão do tempo (e do espaço), como o título tão bem ilustra. Desde logo, vem-me à memória a famosa frase do teólogo alemão Karl Rahner: «O cristão do futuro ou será místico ou não será cristão». Ora, o que me espanta neste livro é o modo como parágrafo após parágrafo, sustentado por uma teologia dos sentidos (no fundo, recuperando ou aplicando a própria teologia da Encarnação), o autor é capaz de desconstruir a ideia vulgar do místico como aquele que supera a dimensão puramente natural para se enquadrar na lógica do sobrenatural mas numa perspectiva 'desencarnada' da realidade humana, o seu verdadeiro habitat.

Ora, ninguém é cristão fora do tempo e fora do espaço. O místico não é aquele que foge do tempo, ou que o supera, mas que não se detém na cronologia dos minutos e dos segundos, antes aproveita cada instante como oportunidade salvífica, como possibilidade epifânica (ou teofânica). No fundo, é a superação do Chronos e o advento do Kairós. O místico não é aquele que desvaloriza a dimensão corporal da revelação e vive como um «espírito desencarnado», numa perpétua contemplação das realidades últimas que, a ser vivida, dispensaria a fé (algo que, diversamente, procuram os Budistas com o Nirvana ou os hinduístas com a superação do Karma). Por isso, este livro convida os leitores a abrir os sentidos para a contemplação de Deus... a ver na realidade criada (material, sensorial, mas insuflada pelo espírito divino) a mediação do próprio Criador que vem ao nosso encontro. Mostra como a activação dos sentidos é um verdadeiro mapa que nos conduz à experiência divina, e que define a própria sacramentalidade do criado enquanto epifania de Deus. 

Ou não será o paladar do que é saboroso (por exemplo, o corpo e sangue de Jesus), o tactear do que é verdadeiro (o abraço de um amigo ou as bolhas numa peregrinação), o olhar do que é belo (a natureza, um pôr-do-sol), a audição do que é bom (um belo concerto) e o odor do que agradável (um perfume, o incenso) também experiências de Deus na nossa vida? Não quis a sabedoria eclesial que o momento máximo de encontro entre o divino e o humano (a liturgia, de modo concreto a eucaristia) colocasse em órbita todos os sentidos, para que fortalecesse o Homem na sua totalidade de corpo, alma e espírito? Que também nós saibamos viver nesta «mística do instante» de quem se deixa surpreender sempre pela imprevisibilidade de Deus, pois como dizia Santa Teresa de Ávila às irmãs carmelitas: «Deus também está nas caçarolas». Ou seja, nas realidades mais humanas... nos sentidos e através dos sentidos!

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